
1923 – NAUFRAGOU O “ ALGARVE I “
Relato do Capitão Manuel de Oliveira
“…estávamos fundeados com o ferro de estibordo e com cem braças de amarra, quando, às onze horas e trinta minutos do dia 08 de Agosto, se partiu uma das peças da engrenagem do leme, a qual encaixava na cabeça do mesmo e onde iam fazer fixe os galdropes.
Imediatamente mandei passar talhas aos fieis e cabeça do leme, que eram suficientemente fortes para aguentar mau tempo, ficando assim provisoriamente reparada a avaria.
O concerto da peça não era possível ser feito a bordo, pelo que foi uma felicidade avistar, cerca das dezoito horas do mesmo dia o navio hospital francês “St.Jeane dÁrc “ , ao qual recorremos pedindo-lhes que nos levassem a peça a terra para ser fundida, pois com o estado do tempo nós nunca conseguiríamos arribar.
O comandante francês amavelmente se prontificou a satisfazer o nosso pedido… mal sabíamos nós que nunca mais utilizaríamos a referida peça.
No dia seguinte às 10 horas, começou a refrescar o vento de NW e a levantar vaga grossa… o navio como se fosse um brinquedo era sacudido num terrível baloiço, até que se partiram os fieis do leme, ficando este solto, resultando daí ter-se o cadastro aluído.
O navio estava com água-aberta e as cinco bombas de bordo não conseguiam dar-lhe vazão.
A tripulação estava exausta e em completo desânimo por tanto trabalho baldado. A solução seria o abandono do navio logo que se avistasse outro que pudesse socorrer-nos.
A noite foi tormentosa e cheia de actos de heroísmo, desânimo, coragem, orações.promessas… amanheceu com os homens cambaleando no convés … alguns amarrados … e sempre que os vagalhões enormes varriam o navio gritávamos fazendo a contagem e verificando se algum de nós já tinha ido borda fora …
Cerca das 14 horas avistámos um lugre que verificámos, com grande alegria, vir em nosso reconhecimento.
Tratava-se do lugre francês “Eider”… mas a manobra de salvamento não poderia ser feita pois o mar continuava a ser tanto, que qualquer pequena embarcação que fosse arriada seria imediatamente espatifada contra o casco e engolida pelas vagas. A solução foi aguardar mais umas horas até que o tempo amainou um pouco… e muito a custo com embarcações de ambos os navios conseguimos finalmente pisar em segurança o convés do “Eider”. “
E expressando sentimentos que julgamos serem comuns entre os verdadeiros marinheiros, o Capitão Ilhavense termina o seu relato desta maneira :
“… o navio é a nossa casa.Há nele um bocado da nossa alma, da nossa terra. Ele é longe da pátria, a fonte mais pura de todas as nossas recordações! … o navio é o nosso berço e por isso ninguém assiste friamente ao seu afundamento! “
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